A obra “O RINOCERONTE” de Eugène Ionesco, datada de 1959, decorridos mais de 60 anos, continua muito atual: Em uma cidade pacata, onde nada de extraordinário acontece, a vida de todos é transformada completamente pela passagem de um rinoceronte. Sem entenderem a procedência do paquiderme, as pessoas começam a entrar em conflito, enquanto a fera se prolifera incontrolável e misteriosamente. Aos poucos as pessoas começam a ser dar conta de que são os próprios vizinhos, colegas e familiares que estão se transformando em rinocerontes, como uma epidemia. Todos são afetados, um a um… Todos cooptados a se tornarem feras, seja por violência, contágio, sedução ou simples desistência de si… Apenas um homem irá resistir…

Mudanças ocorridas com velocidade incomensurável, tem feito com que percamos o contato com a realidade… Coisas que outrora nos espantavam e provocavam revolta, foram assimiladas com naturalidade ou substituídas por outras ainda piores…

Fatos isolados, tornaram-se corriqueiros… Fizemo-nos mais egoístas e violentos na disputa por espaços… fomos cooptados pelo mundo do consumo, seduzidos pelas novidades ou apenas nos abandonamos, indiferentes ou incapazes de resistirmos às transformações…

As feras que nos cercavam, proliferaram…  Há uma fera em potencial escondida em muitos de nós… Uma fera pronta a se revelar e atacar…

Aos poucos fomos perdendo a humanidade… Em cada canto uma fera…. um rinoceronte: míope, irracional e extremamente feroz… incapaz de ver muito bem… incapaz de raciocinar coerentemente… mas sempre disposto a reagir com violência, impondo-se pelo tamanho e pela força…

E o pior é que eles já não nos espantam mais… Nos acostumamos a vê-los perambulando, bramindo e grunhindo, levantando poeira por onde passam… Eles fazem parte de nossa paisagem urbana, de nosso cotidiano…Eles estão nos locais de trabalho, nas escolas, na igrejas, no bares… onde quer que estejamos… Cuidado!

Cuidado para que um desses rinocerontes não apareça, sorrateiro, nos encarando nos olhos, no reflexo de nosso espelho…  (B.J. Falcão)