São 4h37min da madrugada… O termômetro marca 8 graus… Estou trabalhando em meu computador… O frio do inverno que chegou e se instalou na cidade, insiste em invadir meu escritório subindo pelas paredes, enquanto um vento gelado penetra, assobiando baixinho, pelos mínimos vãos entre o vidro e o esquadro da janela… Mesmo agasalhado, não consigo evitar que os dedos enrijeçam, atrapalhando a digitação…  Uma caneca de chocolate quente me faz companhia, ajudando vencer o frio e o sono…

Cortando o silêncio, ouço, na rua, um rangido que aumenta de volume se aproximando cada vez mais da janela de meu apartamento… A curiosidade me faz ganhar coragem e abrir uma fresta por onde espio trêmulo…

Lá embaixo, surgindo em meio a escuridão e a neblina um homem arrasta um enorme carrinho de recicláveis… Não posso ver seu rosto, mas imagino seu esforço, pela lentidão dos passos, marcando o compasso do guinchar das rodas, denunciando o peso arrastado…

Desde que horas estará trabalhando? Suas roupas velhas o protegem do frio? Quando foi sua última refeição? Que nome tem? Onde mora? Qual sua história?… Quantas vezes passou pela minha janela nas madrugadas frias enquanto eu dormia sob cobertores macios e perfumados? Eu não sei… Eu nada sei… Sei apenas que ele é um homem igual a mim… Sei que enquanto eu vivo, ele luta para sobreviver e o que eu descarto é o seu sustento…

Os cães latem… Eles o vêem… Eu o vejo agora… Um calor aquece minha face, por vergonha, contrastando o meu frio coração… Como posso, como ser humano, permitir essa diferença? Como posso, como cristão, desacolher meu semelhante de meus pensamentos e atitudes? Como posso dormir tranquilo quando a desigualdade grita aos meus ouvidos?

Esses são os sem teto… os sem nome… os invisíveis… Esses são os descartáveis de nossa sociedade egoísta de consumo na qual me incluo… Esses são os incômodos que cruzam nosso caminho de mão estendida e aliviam nossa consciência por alguns trocados… Esse é Jesus, passando sob minha janela, esperando que eu o reconheça…

Me dou conta de quão pequena é minha generosidade diante do sofrimento alheio… Eu posso fazer mais… eu sei que posso fazer mais…

O dia amanhece enquanto reflito… Inicio uma prece desajeitada… Não peço perdão ou alívio… Peço que Deus me oriente como ser melhor, como ajudar meu semelhante… para que um dia, quando chegar minha hora, eu não seja invisível a Seus olhos… nem descartado de Sua presença, pelo pouco que fiz… (B.J.Falcão)